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Os tempos estão a mudar. As revoluções da Tunísia e do Egipto, as convulsões na Grécia, na Islândia, em Inglaterra, no Médio Oriente, no Norte de África e mesmo em Portugal, na sequência do 12 de Março, provam que há muita gente que já não vai na cantiga dos sacrossantos mercados, dos banqueiros e dos políticos ao seu serviço. Parece que se perdeu o medo de sair à rua. E nem tudo se explica pelas condições económicas. Há um novo homem que se levanta, que reclama a vida, que não aceita mais ser escravo de coisa nenhuma. Ainda está confuso esse homem, ainda não se libertou totalmente das leis do mercado e da mercearia. Mas, sobretudo a juventude, tem protagonizado uma luta não dirigida, sem chefes nem partidos, uma luta que lembra o Maio de 68 e o grito de Jim Morrison há 40 anos atrás: "We want the world and we want it NOW!" É desses passos em direcção à liberdade dados por gente de vários locais do mundo que tentaremos dar notícia, de forma a que não nos sintamos a caminhar sozinhos e também para que busquemos inspiração nas ideias uns dos outros.

Thursday, May 5, 2011

A revolução avança no Iémen

Multidões tomaram novamente as ruas em todo o país no dia 28 de abril para protestar contra a morte de 13 manifestantes na capital, Sanaa, no dia anterior e exigir a renúncia imediata do presidente Ali Abdullah Saleh , mesmo depois da apresentação do plano do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).






Os protestos no Iêmen, o mais pobre dos países árabes, começaram em janeiro, quando o exemplo da revolução na Tunísia desencadeou manifestações de massas contra Saleh, há 32 anos no poder. Desde então, o presidente tem alternado promessas conciliatórias, como não concorrer à reeleição em 2013, com a repressão violenta.

Um ponto de inflexão ocorreu em 18 de março. Durante as orações muçulmanas realizadas às sextas-feiras, forças de segurança do governo abriram fogo contra milhares de manifestantes, causando pelo menos 50 mortes. Mas esta ação só serviu para levar mais pessoas às ruas e provocar importantes deserções, incluindo diplomatas, ministros, o prefeito de Aden, cinco comandantes do exército e o general Ali Mohsen, principal militar do país, que passaram a exigir a queda de Saleh.

Na defensiva, Saleh demite todo seu ministério e declara aceitar a proposta da coalizão de partidos de oposição, a JMP (Joint Meeting Parties – Articulação de Partidos Reunidos), de sair do governo no final deste ano. Mas esse plano foi rejeitado pelas massas, cujos líderes afirmam que não sairão das ruas até sua renúncia imediata.

Embora seja um país pobre, com reservas insignificantes de petróleo (produção de 400 mil barris/dia e em queda constante), o Iêmen fica na boca de entrada do Canal de Suez e tem fronteiras com a Arábia Saudita, que possui um quinto das reservas mundiais de petróleo e é o principal fornecedor dos Estados Unidos. A principal preocupação do imperialismo é que a revolução no Iêmen atinja a Arábia Saudita e se estenda ao Golfo Pérsico. A primeira ameaça veio da população do Bahrein, duramente reprimida.

O imperialismo busca uma saída
Por isso e por considerarem-no um aliado na luta contra a Al Qaeda, os Estados Unidos sempre apoiaram Saleh, mesmo após o início dos protestos. Robert Gates, Secretário de Defesa norte-americano, disse que a substituição de Saleh por um líder fraco representaria um “problema real” para os EUA. Mas, silenciosamente, mudou de posição, buscando uma saída para a crise revolucionária aberta sem a perda de controle da região, com a ajuda do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), uma organização de países produtores de petróleo do Golfo Pérsico comandada pela Arábia Saudita. O imperialismo prefere perder o anel para não perder os dedos.

Em sete de abril, o CCG propôs a Saleh que apresentasse sua renúncia ao Parlamento no prazo de 30 dias, com a realização de uma eleição presidencial em dois meses. Durante este período, seria formado um governo de unidade nacional, sob o comando de Abdrabuh Mansur Hadi, o vice-presidente. Os EUA, imediatamente, apoiaram o plano e pediram que todos “atuássemos rapidamente” para a “transferência pacífica do poder”.
Saleh afirmou no sábado, dia 23, que aceitaria a proposta desde fosse concedida imunidade a ele e seus familiares, que ocupam posições chaves no aparelho de segurança do Iêmen.

A oposição burguesa aceita o acordo
Por outro lado, o acordo também exige que a oposição participe de uma coligação com o partido de Saleh no governo de unidade nacional. O líder da JMP (uma instável coalizão de militantes islâmicos, “socialistas” e outros grupos que são amplamente vistos como comprometidos com o governo por causa de antigos acordos feitos com Saleh), Yassin Saeed Noman, afirmou que sua coalizão aceita o acordo em princípio, mas rejeitou as condições, preferindo que o partido de Saleh governe até sua saída para só então participar de um governo de coalizão.
De olho nas ruas e no avanço da revolução, a oposição burguesa quer chegar rapidamente a um acordo que devolva o país à “normalidade”. Porém, devido à própria mobilização, não pode aceitar um acordo no qual seja identificada diretamente como aliada de Saleh num governo. Afinal, seu projeto de desviar a revolução para o terreno eleitoral e, então, apresentar-se como alternativa confiável para o imperialismo e viável para as massas só pode ter sucesso se continuar a aparecer como oposição à ditadura no país.

Os manifestantes dizem não
No entanto, existe uma dificuldade maior do que os arranjos feitos na mesa de negociação. O acordo proposto prevê a imediata cessação das manifestações em todo o país e a oposição já alertou que não tem o poder de forçar os manifestantes a saírem das ruas. Na verdade, a oposição burguesa não teve nenhum papel, e não tem até hoje, na organização popular, dirigida, como nos demais países atingidos pelo processo revolucionário, pelos jovens desempregados das cidades. Existe um abismo entre ela e a oposição vinda das ruas.

Por isso, na sexta feira, um dia antes da aceitação do acordo por Saleh, foram realizados protestos denominados de “Última chance”, nos quais os manifestantes portavam cartazes que diziam “Países vizinhos; nenhuma negociação, nenhum diálogo”, exigindo a sua saída imediata.
Khaled Alansi, membro da comissão de 20 membros da Juventude Revolta Pacífica (Peaceful Revolt Youth), que organiza os protestos de ruas em Sanaa, reagiu à oferta do presidente afirmando que: “Isto é um show. Todo mundo acredita que Saleh está apenas ganhando tempo para mais ataques contra os manifestantes. Ninguém confia nele”.

A Juventude emitiu um comunicado rejeitando a iniciativa, exigindo “a expulsão imediata de Saleh”, e que “não prevê salvaguardas para ele, sua família e seus assessores, que são todos assassinos”.

Por isso, Mark Toner, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, acrescentou: “A participação de todos os lados neste diálogo é uma necessidade urgente para encontrar uma solução apoiada pelo povo iemenita”. E deixou claro que a juventude da nação deve ser ouvida e levada em conta no processo.
A única saída possível: a derrota da ditadura e do imperialismo
Como o coronel Kadafi, Ali Abdullah Saleh tem assassinado seu próprio povo. A repressão da ditadura já deixou dezenas de mortos só nesses últimos dias e pelo menos 130 desde o início das manifestações.

Como os demais governos do Norte da África e do Oriente Médio, o governo de Saleh nunca forneceu ao povo iemenita serviços essenciais provenientes dos lucros do petróleo. Com este dinheiro, ele compra tanques e armas e paga franco-atiradores para usá-los contra seu próprio povo.

Os Estados Unidos abastecem Saleh de armamentos bélicos e treinam suas tropas, sob o pretexto de combate ao terrorismo. O Departamento de Defesa norte-americano já anunciou planos de aumento de US$ 70 milhões para US$ 150 milhões de ajuda militar para o Iêmen. O governo dos Estados Unidos, e não só Saleh, deveriam ser julgados e condenados por crimes de guerra contra a humanidade pelos 32 anos de apoio e fornecimento de armas a este ditador.

Porém, quando as possibilidades de manter a ditadura tal qual é se esgotam, o imperialismo norte-americano e europeu, as burguesias árabes e a oposição burguesa trabalham febrilmente para chegar a um acordo no qual “todos os lados” se comprometam e para garantir uma transição pacífica de governo para manter em pé o atual regime.

A proposta apresentada, sem ouvir o “lado das ruas”, é muito parecida com aquela feita por Mubarak (e apoiada pelo imperialismo) antes de sua queda no Egito: sua renúncia e a manutenção de seu vice no poder. E a resposta das ruas foi também muito parecida, de rejeição total.

Porém, à diferença do Egito, não há uma instituição sólida, com vínculos orgânicos com o imperialismo e confiável para as massas, como o exército egípcio, para que uma transição sob controle seja realizada. Também, à diferença da Líbia, não há condições para Saleh iniciar uma guerra civil, devido à sua reduzidíssima base de apoio, embora sempre ameace com esta possibilidade em suas declarações.

Toda esta instabilidade foi expressa pelo próprio Saleh em entrevista no dia 24 de abril à BBC de Londres, na qual afirmava que não cederia o poder a “golpistas” e que só sairia através de eleições: “Vamos convidar observadores internacionais para monitorar. Qualquer golpe é rejeitado porque temos compromisso com a legitimidade constitucional e não aceitamos o caos”. E ameaçou o imperialismo com o espectro do avanço do terrorismo: “A Al Qaeda está se infiltrando nas manifestações. Por que o Ocidente não percebe este trabalho destrutivo e suas implicações perigosas no futuro?”.

Essas declarações foram feitas apenas um dia após a aceitação da proposta do CCG. Tudo muito parecido com o recuo de Mubarak no dia anterior à sua queda, quando anunciava em cadeia de TV que não iria renunciar. O fim da ditadura de Saleh está cada vez mais próximo, mas apenas a ação decidida do movimento de massas pode pôr um ponto final a esta situação. Para isso, é imprescindível não ter ilusões no imperialismo e sua filial, a ONU, com suas propostas de trocar tudo para deixar tudo como está.

Texto de Marcos Margarido, retirado de LIT-QI 
Com a colaboração de Américo Gomes e Dalton Santos, do Ilaese

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